sábado, 7 de abril de 2012

O valor econômico da pornografia disfarçada

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Blog de Pedro Cardoso

O VALOR ECONÔMICO DA PORNOGRAFIA DISFARÇADA


A pornografia declarada, por razões que eu nunca me propus a discutir aqui, tem uma enorme demanda e é, portanto, um grande negócio. Pois bem, a pornografia disfarçada também o é. É preciso falar sobre a sedução que o poder econômico da pornografia disfarçada exerce sobre a classe artística.

Paga-se mais, contrata-se mais, convida-se mais aqueles que fazem cenas ditas sensuais, no jargão da hipocrisia pornográfica, do que aqueles que não as fazem. No mercado americano, as atrizes negociam ponto a ponto de seu corpo o valor do cachê. A nudez tem preço e é muito bem paga. E num mundo cuja organização econômica produz tanta pobreza, quem pode se dar ao luxo de não querer ser rico?

Quando a pornografia era declarada, não havia como convidar os atores de carreira para nela trabalhar. Isto os ofenderia e macularia as suas biografias. A medida em que a indústria da comunicação em massa foi pervertendo a liberdade de costumes do anos 60, e disfarçando a pornografia de [em] entretenimento ou arte, passou a ser possível convidar atores de carreira para realizá-la. Uma cena, em tudo igual a de um filme ponográfico brando - apenas eventualmente melhor produzida - podia agora de ser representada por atores de carreira porque ela pertencia a uma obra de arte ou a um entretenimento inocente. Os atores de carreira passaram a realizar o trabalho que antes estava legado aos atores pornô.

(Sinceramente, eu vejo muito pouca diferença entre as cenas da pornografia declarada e da disfarçada. Dizer que há é uma mentira que foi urdida para permitir aos atores de carreira fazer as cenas pornográficas com patética dignidade. Quem duvidar de mim, peço que assista com atenção aos filmes de pornografia declarada e veja se as situações que encontramos nas novelas de TV e nos filmes - nacionais ou internacionais - não são assustadoramente semelhantes. Tanto em uma como em outra, os conflitos são forjados de modo a, invariavelmente, levar um casal para cama.)

Antes, quando a pornografia era declarada, era preciso contratar atores expecializados em pornografia, muitos deles oriundos da prostituição; hoje, com o disfarce de normalidade que a pornografia assumiu, pode-se chamar atores de carreira, e assim oferecer cenas pornográficas para toda família. A pornografia usou os atores de carreira para legitimar-se perante o público. Claro que isto só foi possível porque ela antes se disfarçou de entretenimento ou arte.

Uma vez que os atores de carreira passaram a colaborar com a indústria que explora a pornografia disfarçada (sabendo o que estavam fazendo ou não) eles passaram também a usufruir da riqueza que ela produz. Antes do cinema e da televisão, representar não fazia a fortuna de ninguém. É o advento da indústria da comunicação em massa, e o seu enorme faturamento, que possibilita aos atores obterem ganhos acima da média das outras profissões. O mesmo aconteceu com os jogadores de futebol, por exemplo. Quando os jogos não eram televisionados, os jogadores, quando muito, terminavam a carreira donos de um ou dois postos de gasolina. Hoje, com algum talento e sorte, um jovem de 25 anos pode ficar muito rico. É a entrada do negócio milionário dos meios de comunicação em massa que enriquece os jogadores e os artistas. Este dinheiro poderia ser muito bem vindo, não houvesse ele cobrado aos atores, em muitas situações, que abdicassem de sua autoria. Este grande dinheiro não é pago para que o ator faça o que quer, mas sim para que ele faça o que é pedido à ele; e uma exigência sempre presente é participar de cenas, hipocritamente, ditas sensuais. Uma colega que estudou no EU foi convidada por um agente americano especializado em jovens atrizes para uma entrevista. Na conversa o homem disse, sem meias palavras, que ela era muito talentosa e que poderia ter uma carreira de sucesso, mas que para isso ela teria que fazer cenas sensuais porque elas são parte do negócio. Isto foi dito sem nenhum constrangimento. Claro, o ambiente cultural oferece a esse homem - e também a atriz que vai ouvi-lo - todos os argumentos necessários para que ele chame a isso arte ou entretenimento, e não pornografia. E pagar-se-á muito bem a quem aceite corroborar com o disfarce dela.

A indústria da comunicação em massa fez chegar a classe artística uma quantidade de dinheiro que ela nunca havia visto antes, mas cobrou o preço caríssimo da conivência dela com a pornografia disfarçada e outras anulações de sua autoridade criativa. E ainda fez a mediocridade valer mais do que a excelência. Fez surgir os falsos artistas e toda sorte de aventureiros que da arte se aproximam apenas para habilitarem-se a uma carreira, em cinema ou TV, onde o dinheiro é abundante. Não há médicos nem engenheiros sem vocação tentando a carreira, mas há multidões de não artistas tentando ser atores, diretores ou roteristas. É o dinheiro que os atrai, não o interesse sincero no fazer da arte.

         A promessa de uma vida de fartura econômica (além da terrível ameaça de desemprego) exerce grande pressão sobre uma atriz no momento em que ela se submete a uma cena pornográfica. E ela tem a lhe nublar o julgamento, o disfarce de entretenimento ou arte que a pornografia assumiu para redimir a todos nós. 


Escrito por Pedro Cardoso


[grifos em negrito e em amarelo - Thata]