sábado, 7 de abril de 2012

A POSSIBILIDADE DE A PORNOGRAFIA SE DISFARÇAR E O ADVENTO DO REALISMO



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Blog de Pedro Cardoso

A POSSIBILIDADE DE A PORNOGRAFIA SE DISFARÇAR E O ADVENTO DO REALISMO

Em algum momento, eu disse aqui que havia uma forte relação entre a possiblidade de a pornografia se disfarçar de entretenimento inocente ou arte e o atual predomínio do realismo em áudio-visuais. O assunto é complexo e eu não me sinto habilitado para enfrentá-lo no campo da teoria. Deixo, portanto, apenas a sugestão de um pensamento.

A ambição do homem ao longo da história tem sido sempre a de reproduzir o mundo real o mais fielmente possível. Assim ele evoluiu da pintura rupreste para video em alta definição. No caminho desta ambição é que a introdução de cenas de intimidade se tornou necessidade narrativa, aparentemente, imprescindível. E de fato, numa tentativa de descrição dos fatos da vida que pretendesse uma identidade absoluta com o real, ela o seria. O que eu não acredito é no realismo ele mesmo. O real me parece irredutível à arte. Toda técnica, por mais avançada que seja, nos colocará apenas diante de um simulacro do real, que a ele sempre ficará devendo a efemeridade que o acontecer no tempo impõe a tudo o que passa. Assistir nunca será o mesmo que viver. Agora, eu admito que certas construções artísticas, principalmente em pintura e filmes, ainda que permanecendo menores que a realidade, provocam em nós uma viva sensação de "estar acontecendo". Mas atribuo isto ainda a um fato poético e não ao que seria uma reprodução do real fidelíssima. É algum traço específico do real que o artista percebe, destaca e nos apresenta que provoca em nós uma tão poderosa compreensão do real que chegamos a crer estarmos diante do real ele mesmo. Mas não estamos; temos apenas a sensação. Estamos, sim, diante de uma opinião poética. No poderoso filme "Private Ryan", de Steven Spilberg, aprendemos algo sobre a realidade de uma batalha mortal, não porque a tenhamos vivido, e sim porque a assistimos. Vivê-la, certamente, teria sido muito diferente e a consequência em nós teria sido outra.

Assim, mesmo em uma obra que busque aproximar-se o mais possível de uma descrição dos fatos da vida tal qual eles se passam, será ainda o haver uma compreensão sobre estes fatos que provocará em nós o encontro com o real, e não a tentativa de reprodução deles em seus mínimos detalhes. Muito mais está dito sobre a nossa sexualidade nas imagens granuladas de "Hiroshima Mon Amour", filme de Alan Resnais com texto de Marquerite Duras, do que na plena luz de tantas cenas de sexo dos filmes atuais. Não porque aquelas sejam menos nítidas do que estas (o que seria um argumento meramente moralista), mas porque as imagens dele são a expressão poética, em filme, da compreensão de algo, enquanto que as outras são exdrúxulas tentativas de reprodução do real tal como ele é sem do real terem propriamente nada a dizer.
         Aqueles que creem estar inocentemente reproduzindo o real em suas cenas de intimidade, estão, na verdade, disfarçando a pornografia de realismo. A ambição do homem em reproduzir o real, e a arrogância de que ele um dia o poderá conseguir, facilitaram o caminho para instalação da pornografia disfarçada entre nós. 


Escrito por Pedro Cardoso


[grifos em negrito - Thata]




A conceção de Pedro Cardoso sobre o trabalho artístico do ator/atriz:


O que tenho dito nestes textos parece ser diferente da opinião daqueles que tem o poder de se expressar publicamente. O teatro que eu faço também o é. Desde o primeiro momento, por mero instinto, eu coloquei o ator no centro do teatro. E este não é o lugar que o ator tem ocupado em nossos dias. O teatro dominante é aquele que é a expressão dos diretores, onde o ator realiza as idéias de um outro. E o que digo hoje sobre a presença da pornografia disfarçada e a sua relação com a desautorização do ator, também não é o pensamento dominante, ou melhor dizendo, não é o pensamento daqueles que buscam dominar o pensamento. Encontro-me, portanto, em relação a eles (apenas a eles!), numa posição marginal.

A defender as minhas idéias, eu só tenho os meus argumentos e o meu teatro. Espero que quando os meus argumentos não forem capaz de sensibilizar meus interlocutores, que o meu teatro o seja. O modo de representar que eu pratico é afim das idéias que eu agora divulgo. É por fazer teatro desse modo, com o ator no centro da cena, que eu repudio todo modo de submissão que se imponha aos atores. E ao por o ator no centro do teatro, coloco também o indivíduo no centro da sociedade. E assim como digo que a autoridade no teatro pertence ao ator, digo que a autoridade na sociedade pertence a pessoa. Cada um de nós é o dono da sua cena. A vida em sociedade não tem, por razão de sua existência, a necessária desautorização da pessoa. Esta desautorização foi uma construção que a imperfeição humana produziu para levar alguns de nós (os mais infelizes, talvez) ao poder. Acredito que a pessoa dona de sua vida, produzirá uma sociedade de muito melhor qualidade do que a atual; assim como do mesmo modo, o ator dono de sua autoria produzirá um teatro (assim como um TV e um cinema) muito mais vigoroso do que este que reina nos nossos dias.

Este ator será o verdadeiro arauto de sua cultura, e não alto-falante das mensagens manipuladas por aqueles, que por necessidade de poder, dele roubaram a autoridade.